"Ele é honesto!"

(Texto originalmente compartilhado no Medium)

Ouvi dizer por aí que na política são poucos que são honestos. Ouvi dizer que o mesmo se aplica para todas as áreas da vida.

Ouvi dizer que na hora de votar, tem que se escolher aquele que não tem nenhum crime, nenhuma investigação, aquele que não tem nada de errado. É essa a definição de ser “honesto”: não ter crime, nem suspeita de crime.

Isso é engraçado, não é? Pois a honestidade, assim, vira um efeito passivo, não ativo. As pessoas viram “honestas” por não serem “desonestas”.

Mas vamos voltar às coisas que eu ouvi dizer.

Nessas horas em que definem-se os honestos como os que não tem crime ou suspeita de crime, sempre surgem os heróis. Aqueles lá, que são “honestos” em meio a um mundo de sujeira. E eles são colocados como heróis puramente por esse fato. Não porque fizeram algo, mas porque não fizeram um crime.

Eu achava que não fazer um crime era o mínimo necessário, que era um pressuposto. Eu achava que mesmo em um cenário completamente ruim, isso deveria se manter. Mas oras, aparentemente nem todo mundo pensa como eu. Acontece.

Os honestos viram “heróis”, “mitos” e são elevados como a “salvação” da cidade, estado ou país, ou de algum aspecto específico deles.

Mas eu ouvi dizer também que quando se tem um herói desses, qualquer suspeita que surge sobre ele é uma tentativa da mídia de macular sua imagem com mentiras ou manipulação, toda acusação é intriga da oposição querendo difamá-lo, que quem questiona ou aponta suas contradições é ignorante ou odioso e, é claro, que a palavra do próprio herói sobre ele mesmo vale mais que qualquer acusação.

Ouvi dizer que gostar de um herói desses é como fazer parte de um clube ou um tipo de jogo, em que a reputação dele é o ponto mais importante. Ouvi dizer que esse jogo é uma partida que acontece contra todo mundo que se opõe a ele e até contra pessoas que nem sabem que ele existe. Ou até contra todo mundo, mesmo.

Ouvi dizer que o rival do político — pois ouvi dizer que agora os políticos tem “rivais”, e esses “rivais” existem mesmo fora de eleições e mesmo em cargos que nem se influenciam — for suspeito de alguma coisa, a suspeita já é confirmação de crime, mesmo que seja do mesmo crime de que a consciência de quem ama o herói o inocentou.

Ouvi dizer, também, que não é sobre as coisas que o candidato diz ou fez. Que não é sobre a maneira como ele briga com os outros, ou como fala coisas que já criticaram seus seguidores por dizerem. Também não é por sua visão de política, nem de economia — essas, aliás, nem são tão importantes, me disseram. O que importa é que seja “honesto”. Se ele é “honesto”, ele nem precisa saber das outras coisas, já que essa é a carta na manga, porque os concorrentes são todos “desonestos”.

Acima de tudo, ouvi dizer que o herói é o cara que tem que agradar os sentimentos de quem o escolhe. Tem que alimentar não a razão, mas a emoção que inspira cada uma das coisas que as pessoas falam. Por isso que o herói fala com tanta emoção, porque quando estão na pior, é isso que as pessoas querem. Ninguém quer pensar quando está na pior, só quer voltar a se sentir bem, não importa de qual maneira, então tudo se justifica para isso. Ouvi dizer que é isso que as pessoas dizem — que querem ver o que os outros fariam em uma situação emocional sem a proteção das ideias do herói.

Ouvi dizer, ainda, que os que são efetivamente “honestos” como o herói mas não falam como ele fala, ou não fazem parte dos grupos que ele faz parte, ou não tem as exatas mesmas ideias, não servem. Nessas horas, ser “honesto” não basta, aparentemente. Ainda que, para os heróis, dizem ser tudo que é necessário, o que talvez torne as pessoas que dizem isso desonestas.

Ouvi dizer, também, que o herói é sempre herói, mesmo que seu partido ou qualquer grupo de que faça parte, ou qualquer causa que defenda, ou qualquer plano que realize se mostre desonesto. Isso porque o herói é “honesto”, e certamente há sempre uma explicação para mantê-lo assim.

Ouvi dizer que tem gente que acha tudo isso certo e verdadeiro e se diz inteligente e racional. E “honesta”.