Sobre Respeito

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Eu andei pensando sobre as coisas que fazemos, as que queremos fazer, e o respeito que temos por nós mesmos e por essas coisas. Eu já pensei muito nessas coisas de maneira ampla, mas desta vez foi um caso específico que me fez pensar.

Como vocês devem saber, e podem constatar por este texto, eu escrevo. Eu gosto muito de escrever, e tenho investido cada vez mais tempo e energia nessa atividade. É parte da minha personalidade, como de muitas outras pessoas, cair até mesmo em certo exagero quando faço coisas que gosto e que quero muito conquistar.

Uma oportunidade interessante para escritores que surgiu e decidi abraçar este ano foi o concurso do Kindle, da Amazon: para os escolhidos, além de um prêmio em dinheiro, haveria um contrato de publicação da obra em questão. Bem legal, né? Eu já tinha uma ideia muito querida, com um formato ideal para o concurso, e comecei a trabalhar nela com afinco.

Por isso, foi bem estranho, para mim, quando eu decidi que não iria mais participar do concurso, ao menos não desta vez, apesar do projeto e do afinco e de tudo mais. Não tem relação nenhuma com a Amazon, com o Kindle, com o prêmio ou qualquer outra coisa, mas com o próprio livro que eu vinha escrevendo.

Considerando o prazo que comecei a escrevê-lo, mais outras coisas da vida acontecendo simultaneamente — e sempre existem muitas coisas simultaneamente — eu cheguei em um ponto em que notei que, apesar de certos atrasos, se eu corresse, eu conseguiria terminar o livro a tempo. Eu terminaria o livro, e enviaria para o concurso, e concorreria ao prêmio.

Mas aí que eu me fiz algumas perguntas: eu conseguiria terminar o livro com o esmero que esperava para esse projeto? Eu conseguiria revisar? Eu conseguiria, na ocasião de completar a escrita e revisão, conseguir contratar uma diagramação e capas em tempo hábil para algo que eu realmente gostasse? Todas as respostas foram “não”.

Só que uma parte da minha cabeça me acusou quando eu cheguei a essa conclusão. E isso doeu um pouco, porque essa parte da minha cabeça me acusou de “desistir”.

Se você ler o que eu escrevi ali atrás, eu não disse que eu “desisti” do concurso, ainda que “decidi que não iria mais participar” seja basicamente sinônimo. Só que eu usei esse sinônimo conscientemente, porque “desistir” tem um ranço de derrota que não deveria ter.

Essa parte da minha cabeça se digladiou com outras, e por fim ela foi derrotada, ainda que deixando, admito, um leve vazio esquisito. O que a derrotou foi a noção de que eu violaria tudo que considero “respeito” se continuasse com esse prazo e essa meta.

Eu violaria o respeito comigo mesmo, com a própria obra, com os leitores, com o concurso, com os profissionais que talvez envolvesse para capa, diagramação e revisão e com tudo mais na minha vida que sofreria para que eu conseguisse cumprir um prazo entregando uma obra certamente bem abaixo do que eu consideraria certo.

Eu poderia tentar amenizar a minha consciência e usar mil argumentos sobre como finalizei outros livros e textos esse ano, então a desistência “pesaria menos”, mas não é isso que quero fazer, pois isso seria igualmente desrespeitoso, talvez até um pouco mais. Isso seria desrespeitar o passado.

Do mesmo modo, todo o esforço e privação que seria necessário despender para finalizar o livro a tempo seria um desrespeito com o futuro, pois existem muitas coisas acontecendo paralelamente na minha vida nesse momento, e dedicar-me a essa entrega que não sairia como eu gostaria seria um desrespeito com o futuro.

Eu pensei muito e descobri — ou ainda, redescobri, ou me lembrei — que existe honra, classe e respeito em não me contentar com menos, mesmo que isso signifique perder uma oportunidade. Só que não é isso que nós aprendemos, geralmente.

Nós vivemos gritando e sofrendo e nos contentando só para acalmar essa ânsia que criamos para tantas coisas, e no fim das contas em vez de construir o paraíso que queremos nós deixamos tudo em chamas para ter um resultado abaixo do esperado, puramente para que ele seja um resultado, como se toda oportunidade que surgisse fosse a última.

Acho que a lição do dia é que às vezes não dá, e tudo bem. Eu não deixei de fazer meu esforço e sei que não estou encostado. Eu sei que me esforcei por isso e por outras coisas paralelas e sei que existirão várias outras oportunidades de fazer esse livro dar certo.

E é certo que eu não estaria satisfeito, nem feliz com o que eu faria correndo para ter essa entrega. O livro dessa entrega certamente não seria um livro que eu gostaria de ler, então não vou me contentar com menos e pensar que os outros deveriam querer.

Eu tenho muito o que aprender sobre o mundo e a vida e sobre escrita e várias outras coisas, mas se eu puder dar um conselho para todo mundo que ler isto aqui, este é ele: seja lá o que você fizer, não deixe de fazer com respeito. O resto a gente dá um jeito, mas no momento em que o respeito acabar — e o respeito por nós mesmos é o que acaba sendo mais fácil de perder — , acaba tudo.